Os
"Caminhos de Santiago" são caminhos de uma Europa que é
solicitada em cada "Ano Jacobeu" *) a refletir sobre um
passado glorioso que positivamente se projectará no futuro.
O
ano de 1993, foi "ano de peregrinos" que, por todos os
caminhos e, servindo-se de qualquer meio de transporte, se dirigiam a
Compostela.
1993
situou-se nos "arremedilhos do século e doilénio".
Os
"arremedilhos” são «hipóteses» intuídas de tempos
passados em que se tenta adivinhar melhores ou piores tempos
vindouros.
Os
tempos decorridos, imaginavam os antigos que já seria possível,
reflectir em matéria de ordem política, social, económica ou
científica; e que indiciavam, com alguma segurança, "o futuro
da Europa", que aponta caminhos de unidade e de Paz .
As
comunicações contam-se entre as mais preciosas conquistas do Homem
do Século XX e Santiago, comunicador por excelência, merecia ser
levado em conta nessa previsão. A sua mensagem impetuosa, continua a
chegar bem viva até nós, através dos famosos Caminhos. Ele mesmo
foi "caminheiro" da Palestina e das imensas Espanhas,
"andarilho" de bordão e cabaça, de fazer inveja aos mais
apetrechados caminheiros de hoje.
Os
liames culturais que unificaram a Europa a partir do Século VI,
lançados por Cluny e depois por Cister mudaram o mundo estabelecendo
alpondras de ligação por tôda a parte. Mais de 100 locais falam de
beneditinos só no “Entre Douro e Minho”. Deixaram templos e
Mosteiros famosos que voltaram a ser utilizados, depois do Século IX
pelos peregrinos de Santiago.
Os
caminheiros de hoje, sedentos de história e aventura, encantam-se em
descobrir esses locais, que, no seu ambiente romanesco, lhes serviam
de pousada,.
Sendo
tempo de deitar olhos ao caminho é também tempo de contabilizar
estragos sociais e ecológicos que degradaram a vida das populações
e levaram o ambiente ao caos.
Os
responsáveis pelas vertentes dos "sistemas educativos", da
"política", do "social" e do "administrativo”
confrontam-se hoje com situações de "fome", “de
desemprego” e de "desequilíbrio ecológico" que aguardam
soluções condignas já no início do século XXI.
OS “CAMINHOS DE SANTIAGO”
“Caminhos
de Santiago” são caminhos antigos que eram diariamente usados pelo
povo, como caminhos habituais.
Os “peregrinos” de
Compostela utilizavam os caminhos que havia... muitos dos quais,
retém vestígios identificáveis como caminhos de peregrinos.
Nota-se
que os "Caminhos de Santiago", a cada dia vão retomando
alguma da antiga popularidade. Muitos percorrem-nos por motivos de
estudo, para melhor conhecimento daquilo que foram as antigas
peregrinações; outros por motivos turísticos ou aventura
consentida pelo uso de viaturas tão aptas a percorrer auto-estradas
como a transformar, em caminho transitável, quanto seja rampa
escalavrada ou temível lodaçal.
"Santiago
Mayor", o filho de Zebedeu, a pé e de bordão, de cabaça e
sacola, sandálias, capote e chapéu de abas largas caídas sobre os
ombros, foi inveterado "caminheiro"; O imaginário, no
decorrer dos séculos, plasmou a figura do Apóstolo dum modo tão
expressivo e fácil de identificar que logo o reconhecemos pelos
símbolos deixados ao longo dos “caminhos de peregrinação”.
Em
vida de Jesus “Tiago, o Maior” - Maior porque assim o distinguiam
do outro “Tiago Menor”, possivelmente mais novo - acompanhou nas
suas deslocações pela Palestina; Depois da morte do Mestre pregou
na Judeia, na Samaria e evangelizou a "Hispânia" pregando
desde Barcelona, Saragoça e Braga. Passando o Rio Minho entrou a
Galiza onde deixou fama de ter falado de Jesus Cristo àquela gente!
Era
um homem erudito; Escreveu a célebre carta a “Carta de Santiago”
que figura entre os livros do “Novo Testamento” ao lado dos
Evangelhos, das Cartas paulinas e dos outros livros.
Pensando
que era pouco rendosa a pregação na Península, dirigiu-se de novo
à Palestina onde a pregação produziu tantas conversões que as
autoridades locais, movidas pela inveja, o condenaram à pena
capital; depois dum impressionante processo em que o seu denunciante,
apesar de ter sido capaz de manter valentemente a acusação em
juízo, não conseguiu furtar-se aos efeitos da argumentação do
Apóstolo, acabando por se reconhecer cristão, impressionado pela
coragem de Santiago pedira-lhe perdão, sendo ambos, imediatamente
decapitados. Foi essa a primeira vez que um dos “doze Apóstolos”
testemunhou publicamente e com sangue, a realeza de Jesus!
Então,
dois discípulos Atanásio e Teodoro, companheiros de pregações
pela Espanha e que acompanharam o Apóstolo a Jerusalém,
introduziram o seu corpo numa barca, em Jope. Com ventos de feição,
ao fim de oito dias chegaram a Bouças, onde se aproximaram de terra
a fim de desembarcar as relíquias.
A “Lenda da "Vieira"
O milagre das vieiras,
célebre símbolo da Santiago, teria ocorrido em Bouças
(Matosinhos), quando os convivas que celebravam na praia as bodas
nupciais de Caio Carpo, não consentindo o desembarque, perseguiram o
barco dos discípulos do Apóstolo, mar dentro... a cavalo.
Ao retirar-se do mar notaram
que tinham as vestes cobertas de conchas, ou "vieiras” –
conchas- matizadas" que se tornaram o símbolo do Apóstolo e
que passaram a ser representadas em tudo quanto lhe diga respeito ...
decorando vestes, altares ou as fachadas esculpidas dos templos e
edifícios. As vieiras aparecem pintadas, lavradas na prata, ou no
ouro.
A lenda acrescenta que, o
topónimo “Matosinhos” tem origem nas "vieiras matizadas"
que aderiram às vestes dos cavaleiros que a pretenderam atacar a
barca. O povo dizia que os cavaleiros saíram do mar «matizadinhos»,
daí resultando o topónimo “Matosinhos”.
As “vieiras” lembraram
ao povo a figura do Apóstolo Santiago, que sempre se fazia
acompanhar da sua concha, que utilizava para recolher água que
escorria pelas rochas para beber.
Depois
disso a barca foi aportar ao "Padrom", na Galiza e aí
desembarcaram as relíquias que foram depostas sobre uma pedra. A
lenda diz que a pedra imediatamente terá tomado a forma de uma
sepultura escavada, passando a ser conhecida por "arca
marmórea"... e aí ficou sepultado.
Entretanto
a "arca marmórea", devido a invasões - de
Normandos e de mouriscos e à necessidade de ser ocultada esteve
perdida durante séculos até que foi reencontrada, no "Campus
Stellae" o campo da "estela" (do túmulo); O
local onde a tradição popular dizia que, à noite se via uma
"estrela" ... o que levaria à descoberta da "arca".
O
reencontrar dos túmulos de Santiago e seus discípulos, em 813
costuma dizer-se, "invenção
das relíquias", e ficaria a
dever-se ao Bispo de Iria, iniciando-se então as peregrinações.
O
“Caminho” mais célebre, vindo de França, passa por treze
"estações", dos Pirineus até Santiago e é conhecido por
“Caminho Francês”; Muitos segmentos desse "caminho"
estão ainda bem definidos e as "estações" deram lugar a
vilas e cidades, com suas catedrais, igrejas, conventos famosos,
hotéis, pousadas ou simples “vendas”, onde os peregrinos se
recolhiam, ainda recolhem e retemperam forças.
Com
o "Caminho Português" acontece outro tanto e são muitos
os vestígios que ainda se podem encontrar pelo país, especialmente
no Norte e, particularmente, pelas “Terras da Maia”.
Enquanto
o “Caminho Francês” segue um itinerário definido, ou quase, o
“Caminho Português” utilizava um vasto conjunto de itinerários
dispersos, muitos deles bem conhecidos. As célebres "vias
romanas" foram desde logo aproveitadas pelos caminheiros que
aproveitavam também as vias usuais, as pontes como caminhos e os
mosteiros e pousadas, como pontos de apoio onde deixaram símbolos,
topónimos e perceptíveis sinais da passagem.
Os
que vinham de Itália e de todo o Mediterrâneo, desembarcavam no
Levante Espanhol e no Algarve. Outros desembarcavam em Lisboa e em
portos mais a Norte.
O
principal "caminho Português”
seguia por Santarém, Coimbra, Porto e
Braga.
As
pontes eram elementos fundamentais para a deslocação dos
peregrinos; vindo daí a relação de S. Gonçalo com os Palmeiros.
Curiosamente
em Gueifães existe uma imagem de S. Gonçalo, pois que o Rio Leça,
em tempos de cheia sendo difícil de transpor fazia com os peregrinos
apelassem a São Gonçalo, a quem lembravam as pontes.
Em
1758, o abade Melo e Castro num inquérito da “Sagrada Religião de
Malta”, informava assim os § 13º e 14°, «... que não há
ermida ou capela alguma que não tenha Santo ou Senhora que acuda a
gente em Romagem.»
Consta
que a Capela de Santana possuía uma imagem de São Roque hoje
desaparecida.
Note-se
este pormenor curioso: A freguesia de “Leça da Palmeira” obteve
seu nome a partir de “Leça dos Palmeiros”; Os “Palmeiros”
eram os peregrinos de Santiago, trazidos pela Ordem de Malta do
“Próximo Oriente”, onde iam colher a “palma do sofrimento. A
Ordem tinha “a cabeça de Ordem” em Leça do Balio, onde havia um
hospital para peregrinos, era possuidora da “Quinta da Conceição”,
em Leça da Palmeira, Leixões, junto ao local onde os peregrinos
desembarcavam.
Depois
de acolhidos na Quinta, retemperavam forças e seguiam para
Compostela, cumprindo a parte restante do percurso a pé, o que fazia
parte da promessa.
Havia
peregrinos que desciam de barco o rio Douro até Crestuma, onde havia
um antigo convento. Depois desembarcavam no Freixo, seguindo por S.
Roque da Lameira (note S. Roque, Santo ligado ás peregrinações) e
daí seguiam à Areosa e Guadalupe **) em Águas Santas - aqui parece
ter havido um “quartel” junto à capela; Pela “Ponte do Arco”
ultrapassavam o Leça em direcção à Igreja são Tiago de
Milheirós; Seguiam pela "Estrada Real", via Monte Penedo,
Silva Escura***) e S. Mamede de Coronado. ***) Pelo Monte Cabrito
seguiam a Santiago de Bougado, atravessavam, “a vau” o Ave; Se
era tempo de cheias, o que tornava o Ave impossível de passar a vau,
seguiam por S. Romão, “S. Gonçalo de Quereledo a caminho da
“Ponte da Lagoncinha” onde transpunham o Rio com segurança.
Pelos
"Caminhos de Santiago" passaram continuas levas de
“palmeiros” **** até que, depois
do sc. XII, a concorrência decaiu.
Atravessar
o Rio Ave exigia o uso de barcas ou era atravessado a Nascente na
“Ponte da Lagoncinha”, na “Barca da Trofa” e no “Vau de
Bougado” e na “Ponte de D. Zameiro”. Entre Azurara e Vila do
Conde, utilizavam uma barca. A partir destas pontes encaminhavam-se
para Braga, Barcelos ou, por “ora marítima”, para Viana, etc…
O
mais importante percurso entre o Douro e o Ave era o troço do
“Itinerário Antonino”, depois utilizado pela antiga “Estrada
de Braga”; a “Karraria” – partia do Douro, Masserelos, Praça
da Galiza, Padrão da Légua, Custoias, Ponte da Azenha, alternando
com a ponte de D. Goimil, Nove Irmãos, Vilarinho e Ponte de D.
Zameiro; A “Via Vécteris”
principiava no rio Douro no lugar chamado Arrábida, Santiago de
Custóias, a Pedras Rubras, Aveleda, Modivas, Vairão, Macieira da
Maia seguindo ao Rio Ave.» Outra via seguia “por
ora marítima” da Foz do Douro e
Ponte de Leixões (hoje demolida) Vila do Conde etc..
Algumas
partes destes percursos são ainda identificáveis e por vezes o
mesmo troço é descrito como pertencendo a um ou mais itinerários
que se alternavam de acordo com a possibilidade de trânsito.
Os
liames culturais lançados por S. Bento que unificaram a Europa a
partir do Século VI, com as ordens beneditinas, estabeleceram
"alpondras" por toda a parte *****); “Alpondras” que
vieram a ser utilizados pelos peregrinos de Santiago depois do Sc IX.
Os
caminheiros de hoje encantam-se em reencontrar os famosos “Caminhos”
orlados de mosteiros, de igrejas, capelas, quartéis, pousadas ou
simples "vendas", pejados de lendas e tradições que neste
tracto de "Entre Douro e Minho", mantiveram as portas
abertas aos peregrinos, a quem davam dormida, prestavam assistência
e alimentação.
Os
caminheiros de hoje, sedentos de temas místicos... de realidades
históricas e de aventura romanesca, encantam-se ao fazer o
reconhecimento geográfico, histórico, artístico e paisagístico
dos locais por onde passavam.
Os
caminheiros, descobrem pelas terras por onde passam "pormenores"
do vasto simbolismo jacobeu. E juntam às descobertas jacobeias o
reconhecimento das potencialidades quanto à paisagem, à fauna e
flora, etnografia, a particularidades agrícolas, culturais, etc…
Santiago
continua ligado ao padroado de muitas freguesias por onde passavam os
"Caminhos" ... Santiago de Custoias, Santiago de
Milheirós, Santiago de Bougado, São Tiago da Carreira, etc.
Topónimos como "Pousada" e “Venda” estão relacionados
com locais de passagem ou de repouso de peregrinos e muitos ajudam à
identificação de “Caminhos antigos”.
Alguns
Santos tem também a sua devoção ligada à peregrinação como: São
Cristovão, sugeria ajuda “no vau”, ou na travessia difícil de
um rio, de cheia... S. Gonçalo, recorda o “pontífice máximo” a
quem se imploravam o “milagre” da construção ou reparação de
uma ponte; S. Roque, também caminheiro famoso, era lembrado como
advogado da peste e protector, Santa Bárbara era protectora em caso
de trovoadas. São devoções que ficaram a atestar locais que foram
caminhos de peregrinos.
Desde
a Idade Média que, peregrinos de toda a Europa, vindos a pé ou
servindo-se dos vários meios de transporte então possíveis,
chegavam em levas a Santiago.
As
peregrinações atingiram maior vulto entre os Sc. XII em que eram
equiparáveis às peregrinações a Roma ou Jerusalém; enquanto a
força do aforismo continuava imperiosa:
«-
Quem a Santiago de Compostela não vai em vida, por força irá
depois de morto!»
--
*)
– O ”Ano Jacobeu.“ Jacob nome quiparado a Tiago. ”Ano
Jacobeu.“ é aquele em que o dia do Santo (25 de Julho) calha ao
Domingo.
**)
- O “Cominho Português” seguia a “Itinerário Antonino” que
seria o mais utilizado entre Porto e Braga.
***)
- A praxe mandava que uma parte da peregrinação fosse cumprida a
pé.
****)
- Templo com “vieira” na fachada, esculpida no granito.
*****)
- Os palmeiros eram peregrinos da Terra Santa que regressavam depois
de terem colhido a “palma” do sofrimento, seguindo depois para
Compostela.
******)
- Só no Entre Douro e Minho há mais de 100 localidades que “falam”
de mosteiros e de “beneditinos”.
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