quarta-feira, 22 de outubro de 2014

DAS “GUILDAS” ÁS MISERICÓRDIAS


D. Leonor e Frei Contreiras, quando fundaram a Misericórdia de Lisboa criaram uma misericórdia diferente daquelas que até aí existiam.
Segundo os enciclopedistas as Misericórdias sendo muito antigas, foram precedidas pelas “guildas”.
As “guildas” disseminaram-se por todo o “Mundo conhecido, acompanhando actividades comerciais, ou agrícolas, sob a forma de mutualismo ou de “seguro”. Os interessados pagavam um prémio de seguro e em casa de acidente eram indemnizados de acordo com o contratado.

Cobriam prejuízos de incêndio, naufrágio, catástrofes naturais, etc.
Hoje já não ouvimos falar em “guildas” mas permanecem as “mútuas”, que geralmente, entre lavradores, cobrem riscos, com animais.

As “misericórdias” sentiram mais vocacionadas pela ajuda aos “habitantes das cidades”; orgulhoso, avesso ao trabalho, viciado, por fim, idoso, enfermo e esquecido. Então inscrevia-se numa associação mutualista, pagava o prémio e tinha o subsídio de reforma esperado.

Já Cícero (106 a 43 a.C.) dissera de César que «a “misericórdia” era a sua mais admirável virtude!» *)
Parece entender-se daqui que César, movido por sentimentos filantrópicos fazia distribuir auxílio na doença, na viuvez e velhice, dos servidores; e responsabilizava-se pelo amparo de viúvas e de órfãos.

No tempo da rainha D. Leonor e Frei Contreiras, as ruas de Lisboa eram percorridas por necessitados a quem tudo faltava; desde cuidados de saúde a de prestações alimentares ao tugúrio onde se pudessem abrigar.
As primeiras idades sofriam carências totais que iam até ao abandono de Bé-Bés, “na roda”.

A admissão de um Irmão ainda hoje implica um juramento, conhecido por “compromisso”, que seria elaborado pelos conhecimentos de Frei Contreras e tutelado pela sensibilidade da rainha; daí que o Estatuto das Misericórdias ficasse conhecido por “Compromisso”.
A instituição em pouco tempo disseminou-se por todo o Reino e pelo «Além-Mar” por onde continua a servir, com prontidão, os mais ”carenciados”.

O “Irmão Benfeitor” e o “Irmão Obreiro” servem a “Misericórdia” com benfeitorias e benévola prestação dos trabalhos que lhe são recomendados.

O “carenciado” apelando às «Obras Corporais», recorre à protecção da “Bandeira da Misericórdia” e logo sente conforto, protecção e esperança.

E o Povo, a que pertencem humildes Beneméritos, Obreiros e Beneficiários, como seu sexto sentido, tudo intui e consegue interpretar os meandros das carências humanas, ajuda a acudir prontamente, aos necessitados!
«Costuma dizer-se que as Misericórdias não fazem milagres mas… já pouco lhes falta!»
Apercebemo-nos, da dedicação, dos “Irmãos”, Benfeitores” ou “Obreiros”, acodem prontamente; dão o que têm ou o que não podem porque esperam retribuição abundante da “Fonte” das Misericórdias.

As “Bandeiras das Misericórdias” “vêm passar os séculos”, ondulando ao vento silenciosa e discretamente.
A sua sombra continua a proteger multidões de “carenciados”; humildes Obreiros e Beneméritos que lutam “discretas batalhas de Paz”, cada dia mais vastas e mais longas que as débeis e velhas forças.

m. c. santos leite

OS IMPÉRIOS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO


NOS AÇORES

A necessidade de criar “Os Impérios do Divino Espírito Santo” nos Açores surgiu depois que ocorreu ali um terramoto de grande intensidade, causando grande número de vítimas, destruindo património e assustando atrozmente a população.
Havia ainda poucos anos que as ilhas tinham sido povoadas e a população não conhecia estas particularidades ambientais.

Os Impérios do Divino Espírito Santo são associações que, em caso de calamidade, prestam socorros urgentes à população, cuidando dos mais carecidos e constituídos em necessidade.
Os Impérios, já eram conhecidos pelo Alentejo: Portalegre, Marvão, Nisa. E no Século XVI já eram referenciados em Alenquer.
Estas associações de há muito seriam conhecidas pelos Açores, embora não tivesse havido ocasião para realizações práticas.
Depois que em 1.522 um novo e grave acidente lançou os Açores na senda dos Impérios.
Os açorianos tem sofrido com frequência calamidades de várias origens como vulcanismo; temporais quer em terra, quer pela fúria do mar.


Há temporais com descargas de água que provocam enxurradas, derrocadas e deslocação de terras ou que levam à sua frente tudo quanto se opõe.
Foi o caso de Ribeira Quente em 30/10/1998, quando à Ribeira foram parar as águas de pequenos riachos subsidiários que carrearam terras movediças, troncos e pedregulhos em quantidade.
Antes de entrar no mar, a Ribeira encontrou pela frente uma escola e a aldeia de pescadores e tudo foi levado. Escaparam apenas algumas casas afastadas.
Houve «vinte e nove vítimas mortais», grande número de feridos nas casas e outros prejuízos materiais.
Dessa vez Os Impérios do Divino Espírito Santo deram provas e os bons resultados da experiência açoriana levou a que os Impérios se estendessem mais cedo ao Brasil, aos Estados Unidos ao Canadá.
Cada Império ocupa sua área definida; Seja freguesia, lugar ou simples rua.
Os Irmãos fazem uma cotização anual para o “cofre do império”. Além das cotizações o “Imperador” promove festividades para angariação de valores e para fidelização dos associados, procura amealhar, para distribuir, por todos os recursos possíveis.
Nos Impérios o Sagrado impõe-se! E a intenção pensada e face à calamidade, transforma-se em “lei” e a realização de Lei pode impor-se pela dor alheia patente aos olhos. O “Projecto” derrama em sacrifícios por todos participado; passando pelo voluntariado pode ir até ao esforço pessoal e ao sacrifício abnegado.
O Império «oferece um chefe ponderado e escolhido por todos»; um elemento precioso e que dispõe de autoridade e de um pecúlio, que é de todos e que pode usar nos primeiros socorros.

O conhecimento vivido destas situações críticas faz com que as Festas do Divino Espírito Santo se revistam de atenções muito peculiares nos dos Açores disseminando-se, com a diáspora açoreana por todo o mundo.
Só na Ilha de São Miguel há mais de trinta Impérios.

O tempo litúrgico do Divino Espírito Santo tem início no Domingo de Pascoela e termina no dia da SS.ma Trindade. Nos Açores “as festas dos Impérios”, freguesia, após freguesia, continuam por todo o Verão.

As festividades dos Impérios possuem actividades, rituais próprios e dias reservados. Alguns Impérios promovem arraiais e diversões variadas como os famosos “touros à corda”.


Uma parte importante da actividade dos Império é a distribuição de alimentos aos associados no dia da festa do Império da Terra. Distribuição de “carne da alcatra” em espécie ou cozinhada e distribuída num imenso banquete ao ar livre a todos os Irmãos.

Visitei um Império que distribuía a carne de meia dúzia de “vacas” que comprava e mandava abater expressamente para oferecer aos Irmãos. A sede do Império dispunha de instalações de açougue espaçosas, funcionais e higiénicas para desmanchar as carcaças. São instalações construídas, à semelhança, sem tirar nem por, dos nossos talhos.
Nas instalações há, por vezes uma cozinha com grande lareira e panelões para cozinhar a alcatra. A um lado da cozinha fica a masseira, o forno e a mesa onde batem o célebre “pão sovado” - semelhante às fogaças da Vila da Feira - que cozem num enorme forno para distribuir à refeição. Outros impérios entregam no sábado anterior as vitualhas para que os Irmãos as levem e preparem em casa.

O modo como organizam os Impérios é sábio, pois procuram servir-se de tudo quanto enriqueça a festa onde as manifestações religiosas completam as profanas. 


Se as generalidades são quase comuns a todos os Impérios, há autonomia absoluta em questão de pormenores, na prática divergem ao gosto do Império ou de conveniências próprias.

Os Impérios são instituições autónomas e de utilidade para quem esteja carecido vocacionadas para casos de calamidade.
Foram criados com a intenção de “abrir o Império” a todos quantos tenham necessidade de seus préstimos na calamidade, sem olhar se são ou não Irmãos; independentemente do Credo, da cor, da origem, ou qualquer outro impedimento.

Os Impérios dos Açores são a maravilha da vida comunitária que, nestes tempos de egoísmo, em que vivemos mostra que o Espírito de caridade, ainda vive e está para durar..


m.c. santos leite

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Quo vadis Domine


Quo vadis? Domine? É o felicíssimo título do livro de «Henrique Sienkiewicz»
que percorrera mundo, com inteiro agrado para aqueles que tiveram a felicidade de o ler. Hoje já devia ter regressado aos escaparates das livrarias, atendendo ao atualidade do contexto político mundial e às préclaras orientações do Santo Papa Francisco, quando esta maravilha, que é a História.

A História não pára de nos surpreender!
Pedro, foge de Roma onde fora largamente perseguido e contraditado por governantes e Romanos e pelos governados e já ia na “Via Ápia” quando vê ao longe alguém que vem em sua direcção de ”Cruz às costas”!
Pedro, que já tinha Roma como terra “impossível para viver, confronta-se já com a ideia que o culpabiliza:
«- Eu fujo da insuportável Roma!», enquanto o Mestre, vai em sua direcção!
- Eu procuro afastar-me! Jesus vai para Roma!

E não consegue evitar a célebre pergunta:
«- Domine! Quo vadis?»
«- Abandonaste-a, pensou Pedro! Jesus vai ocupar o teu lugar.

Quo vadis?», é tema de livro e não tema bíblico. É uma narração muito antiga e muito bem aproveitada de relatos populares, muito próximos do modo de pensar dos católicos.
«- Vou para Roma para ser de novo crucificado!» Respondeu Cristo.
Relata também a vida de Roma ao tempo de São Pedro, “o primeiro Papa”, e a do Imperador Nero. Descreve as atrocidades a que os primeiros cristãos estiveram sujeitos e não deixa de ser expressão do pensamento, de usos e costumes Romanos decaídos, para os quais era necessário encontrar novos caminhos.

Com Jesus era diferente. Seguia para Roma em sentido contrário.
Quando Pedro perguntou «Quo vadis? Domine!» Talvez quisesse dizer:
«- Jesus! Conheces um caminho melhor?»
Ai Jesus podia ter-se limitado a insistir:
«- É este o Meu Caminho!

«Um dia Jesus pregou célebre sermão da montanha a cerca de cinco mil homens!
«O dia começava a declinar. Os Doze aproximaram-se e disseram-lhe: «Despede a multidão, para que, indo pelas aldeias e campos em redor, encontrem alimento e onde pernoitar, pois aqui estamos num lugar deserto.»
«Disse-lhes Ele: «Dai-lhes vós mesmos de comer.» Retorquiram: «Só temos cinco pães e dois peixes; a não ser que vamos nós mesmos comprar comida para todo este povo!»
«Eram cerca de cinco mil homens!
Jesus disse aos discípulos: «Mandai-os sentar, e mandaram-nos sentar a todos.
«Tomando, então, os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os aos discípulos, para que distribuíssem.
«Todos comeram e ficaram saciados e, do que lhes tinha sobrado, ainda recolheram doze cestos cheios.

«- Quo vadis? É pergunta sacramental que devemos fazer a nós próprios para evitar que nos afastemos daquele que nem lá no cimo do Monte deixara esquecido o “farnel” do alimento para aqueles que o seguiam.
O seu “farnel” é sempre abundante e da melhor qualidade!
«- Quo vadis? Domine! Pedro esqueceu o passado e… retomando o “Caminho”, reassumiu os seus deveres para com Roma.

– Excerto do Evangelho segundo S.Lucas 6, 20-26.

m. c. santos leite